O Pau É Que Escreve

Ouvi e reouvi várias vezes o disco mais recente do Chico e digo : é bom! É quase Chico.
Garanto que busquei escutá-lo com bons olhos, com a condescendência de quem recebe os versos de um velho poeta em fase já mais calma da vida, com a complacência de quem observa a obra de um gênio envelhecido e não comete a suprema maldade de compará-lo a ele mesmo em sua juventude criativa.
Não consegui. Não consigo. Exijimos do artista criador a força que nós não temos. Dane-se que o Chico tenha feito tudo o que fez e que sua obra já se baste, eu quero a força de uma Gota d´água, de uma Construção, de Vida, de Meu Guri, de Ópera do Malandro, de Pedaço de Mim.
O disco é muito bom, superior inclusive ao que produzem seus contemporâneos, Caetano, Francis Hime e outros, mas é só quase Chico.
Tem a faixa Querido Diário e seu verso "de volta a casa, na rua recolhi um cão, que de hora em hora me arranca um pedaço". Não faço a menor ideia do que o Chico quis dizer com isso, mas achei bonito.
Eu devia estar contente por esse improvável disco do Chico, que dava mostras de não mais retornar à canção depois de ter encontrado bom abrigo na literatura, tentei aceitá-lo como um bem-vindo bônus de sua obra fonográfica, mas sei lá, falta o Chico.
Acredito que esse disco só tenha saído devido ao estado de paixonite em que se encontra o velho bardo. E buceta nova sempre inspira um sujeito. O velho Chico anda de amores com Thaís Gullin, moça bonitinha, voz gostosinha etc, e quase metade das letras do disco fazem referência a ela. Mas ainda assim, mesmo com buceta nova, sei lá, falta o Chico.
Têm também as boas faixas Tipo um Baião e Se Eu Soubesse (ambas dedicadas à moça), nas faixas restantes, sei lá, falta o Chico.
Acontece que a buceta é o catalisador do processo criativo do poeta, mas quem escreve é o pau. É o pau que escreve! A buceta pode ser da melhor qualidade, porém se o pau não for mais aquele potentado, faz-se até bem feito, mas só para o gasto.
Não é por acaso que o auge do Chico tenha se dado nas décadas de 70 e 80, bucetaiada em abundância e  pau firme e forte, em riste para escrever a noite inteira. Não é por acaso também, e aqui não há nenhum preconceito ou provocação, que a maioria esmagadora dos grandes poetas seja composta de homens, é o pau que escreve, é a pujança, é a virilidade. Florbela Espanca é das poucas mulheres que escrevem feito homem, daí a força de sua poesia, mesmo quando diz de passarinhos e crisântemos roxos que descoram, diz como homem.
Real, ou imaginária, a buceta é o combustível do poeta, só que o motor é o pau. Ou ele ainda ronca forte e solta fogo pelo escapamento, ou, sei lá, falta o Chico. Não tem jeito.

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1 Comentários

  1. Por curiosidade fui ouvir a canção do Chico, a parte mais intrigante é sobre a Virgem Maria "amar uma mulher sem orifício". Acredito que o trecho do cachorro seja bem como me sinto com os meus, cães são carentes, são ladrões de emoções, a cada hora precisam de um olhar, um carinho ou chamego. Por isso a maior parte dos escritores tem gatos.

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