Tédio

Colocamos nossas recordações no front, 
Nossos bons anos a proteger nossos flancos. 
Nossos exércitos de mutilados são nossos cabelos brancos. 
Nossas fotografias do que já não somos 
São a última resistência para a rendição final. 
Matamos o inimigo de tédio. 
Mas a guerra ainda prossegue, 
Esse nosso esforço sem meta. 
Essa nossa guerra estéril. 
Que travamos, por hábito, 
Na tentativa de nos reconciliarmos.

Postamos nossas tristezas de sentinelas de nossa falta de assunto, 
Nossa indiferença como barreira farpada à ânsia de nos esganarmos. 
Nossos batalhões de leprosos são nossas rugas e dentes já podres e vacilantes. 
Matamos o inimigo de velhice. 
Mas o cerco ainda se mantém, 
Numa salvaguarda inútil e risível 
De nossa cidade arruinada, 
Nossos poços d´água cheios de varíola, 
Nossas ruas sem nem escorpiões nem baratas, 
De nosso mundo sem árvores nem livros : 
Totalmente sem sobreviventes.

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4 Comentários

  1. Ainda deveras impressionada com esse texto.
    "J"

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    1. A medida da precisão e a sensação de sensibilidade. Talvez pudesse tê-lo escrito, mas não possuo toda essa habilidade.
      "J"

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