Pena Gêmea

Não acredito nisso de "carne e unha, alma gêmea, bate coração, as metades da laranja..." Acho que nem o Fábio Jr. acredita em alma gêmea. Na verdade, parece que ele, espiritualista que diz ser, crê em almas tirgêmeas, quadrigêmeas etc, haja visto o tanto de vezes que já se casou.
Se não acredito, e realmente não acredito, em alma gêmea, o que dizer, então, de pena gêmea? Aí, é que é mais improvável ainda. À pena, não basta ser gêmea para ser gêmea. Pena gêmea, para ser mesmo gêmea, tem que ser concomitantemente gêmea em seus três aspectos, em suas três possíveis conotações, encarnações. Pena gêmea, para ser mesmo gêmea, tem que ser univitelínica em três fecundações, em três úteros, em três placentas. Pena gêmea, para ser mesmo gêmea, tem que ser gêmea elevada à terceira potência : óctuplas idênticas, portanto. Quer tentar calcular a probabilidade disso?
Primeiro, a pena gêmea, para ser gêmea de fato, tem que ser gêmea quando é pena-caneta, feita em instrumento de registro das ideias, em interface das sinapses com o papel, em Caronte a transportar o pensamento para o mundo dos vivos. Cada pena tem um ritmo, uma velocidade, uma frequência cardíaca, uma impressão digital, seus próprios e intransferíveis caprichos. Duas penas iguais? Não sei o porquê, mas algo me diz que até a sua caligrafia é parecida com a minha.
Segundo, a pena gêmea, para ser gêmea de fato, tem que também ser gêmea quando é pena-penar, sofrer, padecer, pesar tonelada tirana. O motivo do sofrimento é, basicamente, um só : a frustração, caudaloso Amazonas abastecido por seus diversos afluentes, a frustração amorosa, a financeira, a profissional, a social, a sexual, a religiosa  etc. Um único estímulo à dor, a frustração, igual para todos. O que muda é a maneira com que esse mesmo estímulo afeta cada um, o como cada um sente a mesma porrada dada pela vida e, acho que principalmente, como cada um reage à dor, como lida com ela, como a supera, ou não. A dor é uma só, o que muda é como cada um desmembra, disseca, desossa, destila a sua dor. Nós, modestamente, me parece, que somos do tipo dos que chegam a fingir que é dor a dor que realmente sentem.
Terceiro, e por fim, a pena gêmea, para ser gêmea de fato, tem que igualmente ser gêmea quando é pena-pluma, a leveza, a paina, o dente-de-leão, necessária para que não ruamos, não implodamos (só de vez em quando) sob o peso das duas penas anteriores. E aí, cada um também tem a sua maneira de se alar, de tecer seu tapete mágico, de se encasular em sua bolha de sabão. A nossa, corrija-me se tiver coragem, é a ironia, a autoironia, inclusive e principalmente, é o desdém, é o não fazer muito caso do que o mundo pensa de nós, é até não levar muito a sério nem as nossas pena-caneta e penas-penar.
E então? És minha óctupla idêntica?

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