Nos Tempos de Pelé (Ou : o Verde é a Cor da Viadagem)

Quem lê o Marreta, sabe : odeio futebol. Ainda assim, dói-me vê-lo em processo de embichamento. Ainda assim, entristece-me ver o outrora truculento e viril esporte bretão ser solapado, enfraquecido e desfigurado pela viadagem reinante que campeia solta, ver um coliseu de gladiadores transformado em uma gaiola das loucas.
Sim, gostando ou não de futebol, admito que ele era uma das últimas fortalezas do macho das antigas, dos varões que faziam jus e méritos a esse nome. Afinal, originalmente, os esportes surgiram como substitutos civilizados das antigas guerras entre tribos e clãs, uma maneira sem baixas de subjugar e humilhar o inimigo. O próprio nome football, em sua origem, não especificava, ou restringia, que bola os pés deveriam chutar, podendo ser, inclusive e preferencialmente, as do saco do adversário.
Um jogo entre Palmeiras e Corinthians, ou entre Atlético e Cruzeiro, ou entre Inter e Grêmio, nada mais são que guerras travadas entre duas tribos do paleolítico, entre dois clãs de highlanders, cada um a defender o seu totem. Ou, pelo menos, eram. Nos tempos de Pelé. 
Nos tempos de Pelé, não havia viadagem dentro de campo, e onde o goleiro pisava, a grama não nascia jamais. Podia até ter viado no vestiário, mas viadagem durante o jogo, não.
Nos tempos de Pelé, o cara mandava um arroz com feijão e toucinho e uma costela com mandioca pro bucho e ia jogar cheio de energia e "sustança", ou uma buchada de bode, um sarapatel com jerimum e entrava em campo e marcava dez gols. Hoje, o jogador tem nutricionista, nutrólogo e dieta balanceada.
Nos tempos de Pelé, o cara tomava bico na canela, joelhada na coxa, arrebentava o menisco, distendia tendão e musculatura; aí, ia pra casa, fazia uma compressa de gelo, passava um unguento - o famoso gelol - e tava pronto pra outra; no máximo, quando o caso era mais grave, ia até uma benzedeira, que lhe fazia uma reza braba com arruda e guiné. Hoje, o jogador tem ortopedista, fisioterapeuta, quiroprático, massoterapeuta e acupunturista.
Nos tempos de Pelé, o cara jogava com chuteira de couro cru - dura pra caralho - com pregos na sola, com uma bola de capotão que, caso chovesse, encharcava e passava a pesar uns quinze quilos, com shorts e camisas, idem. Hoje, a bola, as chuteiras e os uniformes são feitos de polímeros levíssimos, impermeáveis, indeformáveis e antitranspirantes - tecnologia espacial, da Nasa.
Nos tempos de Pelé, se o cara errava o pênalti, se fazia um gol contra, ou perdia aquele debaixo do travessão, se entregava a final do campeonato, era vaiado, xingado, achincalhado, reduzido a pó de merda pela torcida e pela imprensa esportiva; sem mais, o cara baixava a cabeça, botava o rabinho no meio das pernas e ia pra casa, remoer e digerir sua vergonha, ia pro boteco, tomava uns gorós pra afogar as mágoas, levantava, sacudia a poeira, dava a volta por cima e, no jogo seguinte, dava de goleada no adversário. Hoje, o jogador tem psicólogo, para ajudá-lo a lidar com a pressão e a rejeição da torcida.
Nos tempos de Pelé, não havia, inclusive, nem a perobagem de cartão amarelo e cartão vermelho. O juiz repreendia verbalmente o jogador, dava uma bronca no marmanjo, mas ficava por isso mesmo, não virava nada, não tinha expulsão nem suspensão por tantos jogos posteriores. A porradaria e o quem-pode-mais-chora-menos, corriam soltos e eram a regra central do futebol, como deve mesmo ser a uma contenda de machos.
Mas como um juiz tcheco, por exemplo, poderia dar um esporro num jogador espanhol e ser entendido? Com o aumento dos campeonatos internacionais, isso passou a ser considerado um problema. Foi, então, que começou a viadagem no futebol.
Foi, então, que, em 1970, o juiz inglês Ken Aston, buscando solucionar essa torre de Babel que se interpunha entre árbitros e jogadores em disputas internacionais, nas quais um árbitro português tinha que se fazer entender num jogo entre Suécia e Cazaquistão, teve a ideia de criar um meio visual de advertências, que, tornado em padrão internacional, todos passariam a entender, independente de suas línguas maternas.
Inspirado pelas cores dos semáforos de trânsito, Ken Aston propôs à Fifa que a cor amarela fosse mostrada ao jogador como uma primeira advertência em caso de uma falta grave, e, no caso de reincidência durante a mesma partida, a cor vermelha, que o expulsaria de campo. A ideia de usar cartões para isso foi da esposa de Ken Aston, Barbie Aston. A Fifa aprovou e os cartões amarelo e vermelho foram instituídos já na Copa do Mundo daquele ano, 1970.
Aí, começou o embichamento! A partir daí, se o gladiador da bola, se o guerreiro de chuteiras fosse muito eficiente e contundente no combate ao inimigo, ele não seria mais condecorado, não teria mais o melhor lugar à mesa do banquete, não teria mais à sua disposição as mulheres mais gostosas da tribo : ele seria expulso, humilhado, eliminado da batalha. Os jogadores passaram a ficar mais contidos, mais educados, afrescalharam-se.
Agora, quarenta e sete anos depois, ainda não saciada, a viadagem faz mais uma incursão no já afeminado futebol - hoje, tem escolinha de futebol, tem jogador evangélico a dar com pau, o craque já não coça mais o saco nem cospe em campo.
Agora, quarenta e sete anos depois do surgimento dos cartões amarelo e vermelho, a CBF (Confederação Brasileira dos Frescos) anuncia uma novidade para 2017 : nas partidas da Copa Verde, competição disputada por equipes do Norte do Brasil, haverá o cartão verde, além do amarelo e do vermelho.
Muito dizem mal e injustamente da cor rosa, mas é o verde, desde que foi adotado por ecologistas, ambientalistas e outros queima-roscas como a cor de suas bandeiras, que é a verdadeira cor da viadagem. Se o sujeito se declara como verde, ou em defesa do, não há dúvidas, ele entuba. PV é o partido verde, ou da viadagem. E é o verde da viadagem que, agora, na forma de um aparentemente inofensivo cartão, vai acabar de embichar o futebol.
O cartão verde, ao contrário dos amarelo e vermelho, será mostrado ao jogador não quando ele der uma entrada mais dura no adversário, não quando ele se portar como um macho de respeito, mas sim quando ele se comportar feito uma gazela purpurinada, quando o jogador tiver uma atitude em prol do fair play.
Como nem fazia ideia de que viadagem fosse essa de fair play, fui pesquisar e descobri que fair play significa "jogo limpo". Sempre que o Bambi se comportar bem, o juiz lhe mostrará o cartão verde, como forma de reforço positivo à sua boa conduta, de homenagem e reconhecimento ao seu bom comportamento. Feito o médico que, ao fim da consulta, premia com um pirulito o capeta que não lhe mordeu o dedo nem lhe chutou a canela. O cartão verde, inclusive, passará a constar das súmulas dos jogos.
Serão consideradas atitudes de fair play dignas do cartão verde as abaixo :

1 – ter feito a falta em favor dos adversários;  
2 – parar na jogada, pois tocou a mão na bola, sem que o árbitro tenha percebido;  
3 – assumir que a penalidade foi marcada de forma correta contra sua equipe;  
4 – dizer que a falta marcada a favor de sua equipe não ocorreu;
5 – dizer ter sido tiro de canto para o adversário e não tiro de meta;
6 – dizer ter sido arremesso de lateral para o adversário e não para sua equipe;  
7 – que um cartão aplicado a um companheiro foi incorreto e deveria ter aplicado;  
8 – parar um ataque de sua equipe ao perceber que o adversário está caído por uma lesão;  
9 – um integrante da comissão técnica agiu de forma proativa ao evitar reclamações;  
10 – evitou que um companheiro reclamasse da decisão de um dos árbitros da partida;  
11 – árbitro percebeu que o treinador orienta o jogador para jogar na bola e não fazer falta;  
12 – outras ações de “fair play”

Que outras ações de fair play seriam essas, por exemplos? Que outras demonstrações de viadagem?
Sugiro mais três, que me ocorrem assim de pronto. O cartão verde será dado quando : 

- o jogador, ao invés de xingar a mãe do juiz, se colocar à disposição para levar a velha às compras, ao médico, à hidroginástica e acompanhá-la na excursão para Caldas Novas;
- o jogador, depois de fazer falta grave no adversário, der um beijinho na região machucada, olhar bem dentro dos olhos do outro e perguntar : sarou?;
- o jogador, solícito e prestativo, se abaixar para pegar o sabonete que o outro deixou cair durante o banho.

Pãããããta que o pariu!!!!
Só queria saber o que pensam Serginho Chulapa e Edmundo Animal sobre o cartão verde.

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2 Comentários

  1. Amado Mestre Varonil Azarão,
    Aqui em Caldas Novas a coisa tá pegando fogo! Do futebol, quando eu ainda jogava, eu só gostava era de levar bola pelas costas. E cada você gostoso, de corpo atlético. Aff.
    Ex-boiola

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    1. Tá com o cu pegando fogo, né? Pelo visto, o Renatão está fazendo jus ao nome.
      Só de levar bola pelas costas? Aposto que você também gostava de levar bolada no queixo, cabeçada no céu da boca e umbigada na testa.

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