Menino Jesus, Um Capeta em Forma de Guri

Crianças não são inocentes. São inconsequentes. Não têm o menor tino do que os seus atos podem acarretar, para si mesmas e para os outros.
Crianças não são boazinhas, uns anjos de candura. São tão cruéis quanto qualquer adulto pode ser. Ou, muitas vezes, até mais, devido à já citada inconsequência congênita.
Se os atos de crueldade de uma criança não excedem em escala de intensidade os de um adulto, é tão-somente pela sua pouca força física, pela fragilidade de seus membros, por seu pequeno porte, sua incapacidade de causar grandes danos e destruições; porém, em essência, na intenção e na ideia, são equivalentes.
Haja vista às barbaridades e aos atos atrozes cometidos pelas crianças contra pequenos animais.
Minha especialidade, por exemplo, era a de jogar detergente (Odd azul, alguém lembra dele?) num pequeno aquário de uma tia materna, só pra ver os peixinhos soltarem bolhas de sabão pela boca - até o dia em que tomei uma surra bem dada e tive o dinheiro da merenda de um mês inteiro redirecionado à compra de novos peixes para a minha tia, que é só assim que o ser humano passa a ter consciência de seus atos, arcando com as consequências na pele, no bolso e no estômago.
Gostava também de capturar borboletas, cigarras e libélulas, amarrar uma linha de costura aos seus abdomens e soltá-las para que voassem - eu empinava borboletas feito pipas. Igualmente, tinha por prática pegar insetos de maior porte - geralmente besouros e louva-a-deuses - e jogá-los num grande formigueiro de lava-pés num terreno baldio próximo de minha casa, formiga minúscula, mas de picada doloridíssima e que sempre ataca em bando, em legiões. O bicho mal tocava no formigueiro e uma miríade de lava-pés cobria instantaneamente a superfície do corpo dele; em segundos, o bicho já estava sendo carregado de barriga para cima para as profundezas da terra.
Minhas normais e salutares maldades de infante se estendiam, às vezes, a alguns familiares. A uma outra tia materna, em todos os Natais, sempre lhe roubava e escondia uma lampadinha vermelha de seu presépio, que iluminava a manjedoura do menino Jesus - eu já era um pequeno herege. Ao meu primo Leitinho, feito uma versão mirim e espada da Bruxa Má da Branca de Neve, ofertei uma ameixa recheada de tinta guache preta. Lembro até hoje do Leitinho mastigando a ameixa, a tinta já a lhe escorrer pelos cantos da boca e ele dizer : "parece que essa ameixa tá meio podre...".  Meio podre... pãããta que o pariu!!!
Para minha irmã, dois anos mais nova que eu, dei uma esférica e luzidia pimenta roxa, dessas cultivadas mais para fins ornamentais que para alimentícios, colhida na vasta e variada horta de minha avó materna - lá tinha de tudo um pouco, erva-doce, capim-cidreira, funcho, boldo, arruda, carqueja, hortelã, salsinha, cebolinha, orégano etc, que eram as farmácias e os mercados da época, os quintais. Dei-lhe a pimenta e disse que era uma bala, uma jujuba, uma goma de mascar ou coisa que as valha. Ela acreditou. Ficou uns dois dias com os beiços inchados. E eu, em decorrência das tamancadas de minha mãe, uns dois dias sem poder sentar direito. Valeu cada lambada.
E a coisa ia por aí. E até que eu, comparado a outros moleques com quem convivi na escola e na vizinhança, era tido como comportado e pacato.
Agora, imaginem uma criança perfeitamente normal no que diz respeito ao comportamento travesso e às pequenas inconsequências, porém, dotada de superpoderes desde o berço. Imaginem o que não devem ter sofrido Martha e Jonathan Kent, o casal de fazendeiros que adotou e criou o alienígena Kal-el, o futuro Super-homem. Tentem conceber a intensidade dos decibéis de um superchoro, de uma superbirra. O supervômito do bebê de aço, a supercagada, o superapetite. Acham mesmo que o superbaby nuca usou sua superforça para arrebentar o seu cercadinho, ou para revidar as palmadas dos pais? Que nunca usou sua visão de calor para queimar o rabo do gato? Que agruras não terá penado o casal Kent para tornar o bebê no probo, honesto e incorruptível Homem de Aço?
Um adendo : para mim, sempre foi muito mais fácil acreditar na existência de um ser capaz de arrancar planetas de suas órbitas com um único soco, ou de fazer o tempo andar para trás, do que crer que esse mesmo ser nunca tenha usado seus poderes especiais em benefício próprio, para conseguir uma pequena e inofensiva vantagem que fosse, nem pra comer uma bucetinha, o Super-homem nunca se valeu de seus atributos de semideus, isso é o mais difícil de conceber. Fim do adendo.
Se meu filho, hoje com sete anos, tivesse nascido com superpoderes, no mínimo, eu estaria morto agora. Eu e as duas gatas aqui de casa.
E o Cristo, o bebê Cristo? E o Jesus Cristo Superstar, o fodão da mitologia cristã? Os evangelhos canônicos dizem apenas do Cristo adulto, do Cristo feito em homem, profeta e sábio. Mas terá sido o bebê Cristo, dotado desde a manjedoura de superpoderes sobre a vida e a morte e sabedor de sua origem divina, tão pacífico, paciente e conciliador?
Terá, o bebê Cristo, assim como a sua versão adulta e barbuda, usado seus superpoderes apenas para o bem, para ressuscitar mortos, para curar cegos e aleijados, ou, ainda na creche em Nazaré, promover a multiplicação das mamadeiras, das chupetas e das papinhas?
Dizem os evangelhos apócrifos, o PMDB da Bíblia, que não. Muito pelo contrário.
O evangelho apócrifo de Tomé, aquele que tinha de ver para crer, escrito provavelmente 140 anos depois da morte do Cristo, afirma que a criança Cristo não era flor que se cheirasse. Era um arrogante, um mimado a quem as vontades não podiam ser contrariadas, um típico filhinho de papai, ou, nesse caso, o filhinho do Pai.
Os relatos de Tomé, que eram tidos como verdades pelos cristãos primitivos, descrevem um adolescente Jesus, à época no Egito, que se irritava facilmente com todo mundo, tinha mania de grandeza e, pasmem, que usou seus superpoderes para matar três meninos, entre outras bondadezinhas.
Conta-nos, Tomé, que, certa vez, estava o filho de Deus a construir uma pequena represa, quando passou por ele o filho do escriba Anás e destruiu a obra. Furioso, Jesus disse:  “Tolo injusto e irreverente! O que as poças d’água fizeram para te irritar? Eis que agora também tu secarás como uma árvore, e nunca terás nem folha, nem raiz, nem fruta". E o menino secou. 
Aliás, Jesus parecia ter uma certa fixação, quiçá um fetiche, nessa coisa de secar. Já adulto, é célebre o caso da figueira que não tinha frutos para saciar a sua fome. Do evangelho de Mateus : "Pela manhã, ao voltar à cidade, teve fome. Vendo uma figueira à beira do caminho, dela se aproximou, e não achou nela senão folhas; e disse-lhe: Nunca jamais nasça fruto de ti. No mesmo instante secou a figueira".
Porra, a figueira não tinha frutas porque não era época! Não sabia o bondoso Cristo que cada árvore tem seu ciclo, seu período de frutificação? Não entende porra nenhuma de botânica e já vai logo rogando praga. Por que, ao invés de secar a figueira, não usou de seus poderes para fazê-la frutificar em abundância, mesmo fora de época, e matar sua fome e as de seus discípulos? Sim, porque ali ninguém nunca tinha um puto no bolso, ninguém ali pegava no batente, desconfio até que Cristo e seus doze apóstolos tenham inspirado a formação dos primeiros sindicatos trabalhistas. 
Em outra ocasião, um garoto esbarrou em Jesus sem querer. "Não seguirás mais teu caminho", lançou Jesus a sua maldição. E o garoto caiu duro. Os pais da vítima foram ter com José e Maria : "Assim não dá, o vosso filho é um assassino". Ao saber da reclamação, o menino Jesus cegou os pais do garoto. 
José, o santo padroeiro dos cornos, teria dito à Maria : “Daqui por diante, não podemos deixar Jesus sair de casa, porque qualquer um que se oponha a ele é morto por suas maldições”.
E não são apenas os evangelhos apócrifos cristãos que trazem registros das maldades do menino Cristo. Joseph Carter, autor do livro "Os Evangelhos Apócrifos", diz que também o Corão registra algumas crueldades do menino Jesus.
Ou seja, paradoxalmente à sua origem divina, o moleque Jesus foi um capeta em forma de guri.
Aliás, paradoxalmente, porra nenhuma. Basta ver as hecatombes e os genocídios promovidos pelo Pai de Jesus no Velho Testamento. Paradoxalmente, porra nenhuma. Quem sai aos seus, não degenera.

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6 Comentários

  1. http://blogdobarcinski.blogosfera.uol.com.br/2017/01/13/filme-mostra-a-vida-louca-da-princesa-leia/

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  2. Nos dias de hoje você fica uns dois dias sem sentar também, mas é por outro motivo (kkkkk)

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    1. Fico, sim. Da sua irmão chupar meu saco até esfolar!
      Nego da piroca? Sai fora, rapaz!

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  3. muito legal o seu texto, muito legal mesmo. mesmo que eu seja católico, o final é excelente.
    Quanto às suas maldades infantis, creio que meu irmão fez uma que superou tudo. Descobriram na casa de minha avó um ninho de camundongos, com aqueles filhotes vermelhinhos. Meu irmão fez uma fogueirinha, espetou um deles em um galho e pôs para assar, até minha mãe descobrir e dar um esporro pela crueldade. Em seguida, matou todos (não me lembro como). Bom, né?

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    1. É, essa de pôr pra assar foi foda mesmo e só poderia ser superada por ele próprio, se desse, depois, o espetinho pronto pra um irmão comer.
      Aliás, no Brasil, o tal churrasquinho de gato, vendido nas ruas por ambulantes, faz muito sucesso, se o seu irmão fosse pra China, ficaria rico vendendo churrasquinho de rato.

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  4. Não sabia que dava pra empinar borboletas, sempre imaginei, mas executar que é bom nada. O máximo que fiz foi uma fazendinha insetos: grilos, gafanhotos, formigas e uns troços meio estranhos que até hoje não sei bem o que eram.
    "J"

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