Bar do Araújo, o Último Território de Homens Livres

José Araújo, 47 anos, residente em Palmas (TO), é microempreendedor do ramo dos desafogos e desabafos voláteis e engarrafados, é mercador dos sonhos e das frustrações envelhecidos em tonéis de carvalho, ou seja, Araújo é dono de um buteco, de original, inusitado e insuspeitado nome, o Bar do Araújo.
O comerciante de água benta que beata não bebe nem com a qual se benze nem a usa fria para aplacar o calor na bacurinha, dados os recentes acontecimentos, em encarnação não muito distante, cuspiu nos pratos da Santa Ceia, cagou ao pé da cruz de Cristo e ainda limpou o cu com o Santo Sudário.
E tudo isso são crimes pequenos, delitos menores, meras contravenções do Código Herege Penal se postos em paralelo com o rigor draconiano do castigo dos Céus que Araújo anda a receber.
Araújo, sabe-se lá porquê, incorreu na infinita ira do deus judaico-cristão, o do Velho Testamento, o que mandou pai imolar filho em Sua intenção, o que afogou a Terra em dilúvio, o que tornou em sangue as águas do Egito e ordenou a morte de seus primogênitos, o que atomizou e desintegrou Sodoma e Gomorra só porque o povo de lá quis comer o cu do anjo, e outras filhadaputices próprias de quem é Todo-Poderoso.
Contudo, o castigo do taverneiro Araújo tem se mostrado muito pior que os anteriormente citados, uma vez que lento e com requintes de crueldade.
"Que te vejas entre cristãos!", sentenciou o bom deus. E, imediatamente, surgiram, do quinto dos infernos, do rabo do capeta, duas igrejas geminadas ao Bar do Araújo, uma de cada lado.
"Que te vejas cercado de crentes!", bateu deus o martelo de seu sumário tribunal. E estuporaram duas pústulas de peste negra, cada uma a fazer parede com as paredes do Bar do Araújo.
Não bastasse tornar em má a vizinhança e desvalorizar imobiliária e comercialmente a região, os crentes do cu quente querem minar o negócio de Araújo. Não podem ver ninguém feliz, os escrotos desses crentes. Pudera, não são de dor, temor, culpa, remordimento, privação e ignorância feitos os seus prazeres, as suas fés e estúpidas religiões?
Araújo relata que os pastores e os fiéis das duas igrejas realizam novenas e sessões de descarrego e desencapetamento em frente ao seu estabelecimento, na tentativa de arrebanhar os bebuns do Bar do Araújo. Estão, os filhos das putas, de olho no dinheiro da pinga dos pés de cana, querem transformar o dinheiro da pinga em dinheiro do dízimo, querem livrar os cachaceiros de um vício para imputar-lhes outro, muito pior que o da cachaça, que, para esse, há possível, ainda que remota, reabilitação, já para a burrice em Cristo, não há intervenção que dê jeito.
Não conseguirão, é certo, a conversão dos pinguços, que quem é devoto ao copo, outro deus não procura, mas, é certo, espantarão a clientela, que bar é o retiro espiritual do bêbado, é o spa do bebum, é mesmo uma embaixada, um território livre para ele beber sossegado, livre da aporrinhação e da censura, sobretudo, conjugais. Aí, vem um bando de umas porras de uns cristãos e invadem solo autonômo e soberano. O bebum migra pra outro lugar.
E não são só as ébrias almas dos fregueses de Araújo que estão na mira dos cristãos, o maior objeto de disputa entre os dois pastores é a alma do próprio Araújo, ela é o troféu de caça a ser exposto empalhado ao fundo do púlpito da igreja que conseguir sua conversão, a alma de Araújo é a piéce de résistence cobiçada pelas duas congregações.
Sobre isso, deixemos que o próprio Araújo nos relate seu infausto : “A porra ficou séria quando os dois pastores começaram a disputar minha alma e tentar me converter, eles me seguem por toda parte, me jogam água benta, não descansam, estou ficando louco”.
Pããããta que o pariu!!!! A cena chega a ser surreal, ou melhor, transcende o surreal. Imagino o Araújo tendo que sair,  por exemplo, para ir ao banco, à padaria etc. Mal ele põe os pés na rua e é atacado pelos dois pastores, de bíblias com cheiro de suvaco e aspersores de água benta a bombardear o pobre Araújo, entoando rezas, salmos e exorcismos; o Araújo correndo e os pastores atrás.
É isso que dá garantir legalmente a liberdade plena, total e irrestrita a ignorantes. Sempre falo que a tal da democracia deve ser muito boa e coisa e tal para povo educado, que democracia funciona muito bem na Suécia, na Noruega etc. Para povo chucro e ignorante feito o brasileiro, um dos povos mais religiosos do mundo - mais um de nossos vergonhosos recordes -, o que funciona é a linha dura. Sob pena de vermos, cada vez mais, situações análogas à de Araújo. O brasileiro, desdentado de letras e dentes, considera que ter liberdade é poder fazer tudo o que lhe der na telha, inclusive, e principalmente, tirar a liberdade do outro. Vejo isso todos os dias nas escolas; tantas são as liberdades dadas, sem a contrapartida de nenhuma obrigação, ao adolescente que ele se acha no direito de impedir o trabalho do professor e o aprendizado dos alunos - cada vez mais raros - que ainda vão à escola para estudar.
O mais curioso, o mais canalha e hipócrita na verdade, é que são esses safados dos crentes que vivem a berrar (literalmente, alguém já viu crente que consiga falar baixo as merdas que falam?) por tolerância e pelo direito à liberdade de culto e crença. Como se, no Brasil, em algum momento de sua História, tivesse havido alguma espécie de perseguição a essa ou a aquela religião; como se, alguma vez, sua liberdades de culto tivessem sido impedidas ou anuladas.
Vai ver, essas pragas de Cristo pensam que ainda estão em épocas do Império Romano (bons tempos aqueles, pena a incompetência de Nero), pensam que a Bíblia é o jornal do dia, a revista Veja da semana. Nunca houve, no Brasil, lei a lhes barrar o pleno exercício de sua ignorância, como querem barrar agora o livre comércio do Bar do Araújo.
Aliás, a lei lhes faculta, aos pastores, padres e outros que tais, não apenas a liberdade de credo e culto; permite-lhes também infringir certas leis dentro da lei, os põem impunes a atos aos quais, se praticados por outros que não os "ministros" de deus, adviriam pesadas penas e restrições.
A exemplos, podem falar em nome de terceiros (deus e Cristo, no caso) sem nunca terem apresentado uma procuração dos mesmos, como diria Vínicius de Moraes, com certidão passada em cartório do céu, e assinada embaixo: Deus! e com firma reconhecida, a lhes outorgar tal incumbência; podem comercializar objetos e artefatos de supostas propriedades curativas sem ação tampouco eficácia comprovadas pela ANVISA ou por qualquer outro órgão sanitário ou de saúde : é o comércio dos ungidos, é o óleo ungido, é a toalhinha ungida, o tijolinho ungido, o martelinho ungido e até - esse é o meu preferido - o spray mata-capeta vendido por Silas Malafaia (é verdade, http://amarretadoazarao.blogspot.com.br/2011/09/spray-mata-capeta.html).
Ou seja, podem cometer, impunemente, falsidade ideológica, estelionato, charlatanismo e curandeirismo. Podem ser foras da lei protegidos pela lei de liberdade de credo e culto, os picaretas. O que mais querem os canalhas? Fechar o Bar do Araújo!!!
Aguenta a mão, Araújo! Que sua igreja a Baco, que seu santuário a Dionísio não esmoreça à pressão do genocida deus cristão. Resista, Araújo, feito um Leônidas, nessa Termópilas em que lhe encalacraram. Retruque, Araújo!
Quanto à sua alma, acho que a solução é fácil. Rápida e rasteira. Na próxima vez em que um dos pastores vier lhe assediar, abra a braguilha, saque a rola para fora e chacoalhe para ele. Duvido que volte a lhe incomodar. Pelo menos, chacoalhar a rola funciona com Testemunhas de Jeová - experiência própria.
Quanto a manter seu estabelecimento e sua clientela, arregace as mangas, Araújo. Envergue suas armas e armaduras. Lute com as armas que deus lhe deu, ou melhor, com aquelas que ele - ainda - não conseguiu lhe tirar : a sagrada pinga, a sacrossanta cachaça. Convoque, Araújo, sua guarda pessoal, seus 300 melhores bebedores, reúna seus 300 mais dedicados e disciplinados bebuns.
Combata o Fogo da Fogueira Santa com o Fogo Paulista. Promova reuniões de congraçamento entre os pés de cana, cultos de benção com goró ungido para os pudins de cachaça, sessões de exorcismo para expulsar o demônio da cirrose dos fígados que não lhe pertencem.
Faça promoções, Araújo. A segunda da cerveja, a terça da cachaça, a quarta do conhaque, a quinta da caipirinha, a sexta do traçado, o sábado da catuaba, a domingueira das batidas.
Organize eventos, quermesses, rifas, ações entre amigos, festivais etílico-gastronômicos - torresmo, salsichão em conserva, tremoço e ovo cozido colorido. Convoque os pagodeiros da região, faça forte batuque em frente às igrejas, como novenas fazem defronte ao seu bar, acenda as santas labaredas das churrasqueiras nas calçadas e inunde as igrejas com fumaça de churrasquinho de gato. Quero ver só se eles aguentam, Araújo!!!
Contra-ataque, Araújo!
Open bar, Araújo! Open Bar do Araújo!

Postar um comentário

6 Comentários

  1. Gostei do Open Bar, o Araújo bem que poderia criar um cartão de fidelização, quem sabe a cada dez cervejas uma grátis ou uma porção. Vou te contar tb, os botecos tão cada dia mais mesquinhos... Foi a época boa do pé-sujo, a gente bebia 20, sumia com 5 e ainda ganhava duas do garçom. Ehhhh tempo bom.
    "J"

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sumia com 5 e ainda ganhava 2 do garçon? Nunca tive dessas regalias, não? Mas pra você ganhar essas duas, o que o garçon ganhava?

      Excluir
    2. Se vc não manja, não venha desmanjar os manjadores rsrsrsrs (risos) :p Só digo uma coisa, não digo nada e digo mais, só digo isso!
      "J"

      Excluir
    3. Vixe!!! Tá bêbada, né? Que inveja!

      Excluir
  2. Acho que uma solução seria vender "vinho do padre". Isso talvez espantasse os crentes

    ResponderExcluir
  3. Como não podia deixar de ser, quarta-feira, rodada do futebol, né... rsrs
    "J"

    ResponderExcluir