Amado Batista, Muito a Ensinar a Chico, Gil, Caetano e a Outros Heróis da Resistência (Ou : Os Kids Vinil, Os Verdadeiros Heróis do Brasil)

O Brasil é, para dizer o mínimo e não desanimar logo de cara, um país curioso. Não um país de curiosos, que fique bem claro, não um país que se interessa por informações, muito menos por formação, não curioso no sentido meritório da palavra, curioso no sentido de esdrúxulo, esquisito.
Ao nosso último governo declaradamente autoritário, a chamada ditadura militar, a exemplo do que vou falar, não houve resistência, não houve uma verdadeira luta contra.
Não houve resistência à ditadura militar : a ditadura é que foi a resistência. A resistência, no período de 1964 a 1984, não foi exercida pela oposição, sim pela situação. Resistência aos grupos armados, de safados, guerrilheiros, terroristas, assaltantes de banco, sequestradores, que desejavam tomar o poder à força das armas, transformar o país numa grande Cuba, numa grande merda. Em resumo : a resistência foi feita aos canalhas que se diziam da resistência, à corja que, hoje, atende genericamente pelo nome de PT.
Logo, não houve heróis da resistência. O máximo que conseguimos imitar, copiar, macaquear dos verdadeiros movimentos de resistência de outros lugares do mundo, chegou-nos nas figuras dos cantores da resistência. Que, no Brasil, luta se faz via mãos guarnecidas de, uma, um violão, outra, de um copo de whisky. E, lógico, muita passeata para aparecer no jornal das 20 horas. No Brasil, a sangrenta luta é feita de caminhadas e canções, ou seja, não é feita, nunca existiu.
Atribui-se a Caetano, Gil, Chico, e que tais, boa parte da ferrenha oposição que teria minado e feito ruir o regime militar. Uma oposição exercida pela arte, música, poesia, pela intelectualidade. Balela! Flores não vencem canhões; canhões maiores o fazem.
Esses heróis-cantores nunca se opuseram efetivamente a nada. Aliás, quando a coisa apertou para o lado deles, autoexilaram-se. E em lugares extremamente hostis e inóspitos à vida humana, Roma, Londres, Genebra : autoexilaram-se em cartões postais. Deve ter sido mesmo muito penoso passar temporada em Londres ou Roma, enquanto o cu do país pegava fogo.
E já que falamos de canções, por que não a de Sérgio Sampaio para esses nossos heróis? "Há quem diga que eu dormi de touca/Que eu perdi a boca, que eu fugi da briga/Que eu caí do galho e que não vi saída/Que eu morri de medo quando o pau quebrou."
E se nunca foram opositores de porra nenhuma, por que são lembrados como tais? Marketing! Comercial, pessoal e histórico. Ótimo para as gravadoras, que detinham os direitos sobre a fala, a música e os pensamentos dos salvadores da pátria; ótimo para os próprios heróis, que tiveram as suas figuras investidas de uma mística guerreira, e que, para muitos, acabou por se transformar em um bom fundo de aposentadoria; ótimo para a história do país, tão deficitária de grandes vultos e que, na urgência deles, faz o óbvio, fabrica-os.
Em outros países, os heróis nacionais são representados em estátuas de bronze, espalhadas por todas as praças públicas. Nossos heróis foram esculpidos em círculos de vinil, amontoados nas prateleiras das hoje extintas e saudosas lojas de discos.
É isso mesmo! São os Kids Vinil, os verdadeiros heróis do Brasil.
Fabricou-se à época, e em vinil, uma inteligência nacional que nunca existiu, fabricou-se uma intelectualidade consciente, combativa e engajada em resolver os problemas do povo que nunca existiu, nem aqui e em nenhum outro lugar do mundo. Quem já viu algum intelectual preocupado com os problemas da população?
Os antigos festivais da TV Record, mostrados hoje como locais de reunião de uma juventude politizada e com esforços rumo a uma nação mais justa, nada mais foram do que o que realmente eram, festivais de música. Ninguém estava ali para protestar de fato, ou, se o fazia, mal sabia contra o que estava a gritar. A juventude da época ia aos festivais para se divertir, cantar as músicas que tocavam nas rádios, e ponto. O bando ia aos festivais porque era lá que o bando estava, o bando vai para onde o bando está.
Guardadas as devidas (e tristes) proporções, os antigos festivais da canção em pouco diferiam das atuais "baladas universitárias". Claro que uma coisa é ter o pessoal da Tropicália e da Bossa Nova a se apresentar nos palcos, outra, totalmente diferente, é ter o atual e abominável sertanejo universitário, nem há termos de comparação, musicalmente falando. Mas dizer de uma maior consciência política, sobretudo do público, e por que não dizer também dos ídolos?, é besteira. É querer fazer História sem que a História tenha havido. Por isso, digo sempre que o Brasil não tem História, tem folclore.
A juventude da época, como a de agora e as de qualquer outras épocas vindouras, cantava e repetia o que lhe era empurrado goela abaixo pelos meios de comunicação; a juventude das décadas de 1960 e 1970 só teve mais sorte em relação à qualidade do que lhe descia garganta abaixo, só isso.
Mas vá lá que seja : consideremos que o regime militar tenha sofrido severa oposição por parte da intelectualidade da época, representada nas figuras dos heróis-cantores e da juventude que acorria em torno deles.
Quem suporia, então, que o cantor Amado Batista tivesse tido suas desavenças com regime militar? Sim, Amado Batista, um dos reis do chamado brega, estilo musical considerado inculto e alienado. Pois ele, sim, as teve, suas desavenças com os militares. Amado Batista também foi preso e torturado.
Nem eu sabia disso. Nem eu, que sei da farsa de nossa intelectualidade, jamais supus.
A revelação veio da boca do próprio Amado, no programa De Frente com Gabi, capitaneado pela chatíssima, prepotente e dona de uma autoestima imensamente superior ao seu real talento, Marília Gabriela.
No último domingo, 27/05, Amado Batista contou que, antes de se tornar músico profissional, quando tinha entre 18 e 19 anos, trabalhava em uma livraria e usava o emprego para facilitar aos intelectuais o acesso a livros considerados subversivos na época.
Disse também ter aceito a incumbência de enviar somas em dinheiro a um professor universitário do Maranhão, professor que, mais tarde, Amado Batista descobriu estar envolvido em ações clandestinas de grupos esquerdistas.
Foi preso por dois meses e torturado. "Me bateram muito. Me deram choques elétricos", disse. "Um dia me soltaram, todo machucado. Fiquei tão atordoado. Queria largar tudo e virar andarilho."
Era do que Marília Gabriela precisava para acionar todo o seu fundamentalismo intelectual. Perguntou a Amado Batista se ele teria vontade de confrontar seus torturadores. Com certeza, Marília Gabriela estava esperando ouvir - queria muito ter ouvido - uma resposta positiva do cantor. Uma resposta positiva imbuída de revolta, ira e sede por revanchismo, a resposta típica que dariam a própria Marília e os considerados de seu meio. Ela esperava que Amado Batista se inflamasse, indignasse-se, clamasse por justiça e defendesse maior rigor nas investigações da chamada Comissão da Verdade.
Marília se decepcionou. O que ouviu foi bem diferente, deixou-a com cara de cu, mais ainda. O que Marília ouviu foi uma resposta muito mais consciente, honesta e repleta de hombridade. Uma resposta calcada na mais absoluta realidade, isenta dos véus e distorções que a memória causa em eventos que há muito se passaram. Uma resposta real, sem lendas nem heróis.
Amado Batista respondeu : "Não. Eu acho que mereci. Fiz coisas erradas, eles me corrigiram, assim como uma mãe que corrige um filho. Acho que eu estava errado por estar contra o governo e ter acobertado pessoas que queriam tomar o país à força. Fui torturado, mas mereci." 
Claro que dizer que mereceu e, mais ainda, comparar uma sessão de tortura a um ralho ou a umas palmadas maternas foi uma puta duma simplificação. É óbvio que Amado Batista, digamos assim, exagerou em seu eufemismo para sintetizar os suplícios a que foi submetido - existe eufemismo exagerado, eufemismo hiperbólico? Se não, crio-o agora, melhor, Amado Batista o criou, apenas o registro, batizo-o.
Acredito que a comparação de Amado Batista tenha tido por objetivo imediato encerrar rapidamente o assunto, como quem diz educadamente a um entrevistador insistente e levemente sádico, passemos logo à outra pergunta.
Mais amplamente, entretanto, o que Amado Batista disse foi que o passado são águas passadas. Sabia o que estava fazendo, que estava envolvido com grupos opositores ao regime, da clandestinidade e subversão de suas ações, que havia tomado um dos lados de uma guerra. Fez cagada, foi pego pelo inimigo e arcou com as consequências de suas escolhas, todas conscientes.
Quando diz que mereceu ser torturado, e aí é que reside a sua grande mostra de caráter e hombridade, quer dizer que não foi vítima de nada nem de ninguém, de nenhum regime, a não ser de suas próprias escolhas. Amado Batista não fica - nunca ficou, tanto que só agora isso veio a público - posando de coitadinho, de injustamente perseguido. Estava em uma guerra e o lado em que estava perdeu. Apanhou e seguiu em frente com a vida, sem fazer do passado o seu currículo. Só isso. Simples assim.
Amado Batista, o brega, o inculto, o alienado, mostrou uma lucidez e, repito, uma hombridade muito maiores que as de todos os nossos heróis-cantores da resistência, Chico, Caetano e Gil. 
E por que será que nosso cantores cultos nunca disseram o que disse Amado Batista, que erraram, que fizeram cagada, que ajudaram a colocar no poder a quadrilha que aí está? Por que nunca deram a cara a tapa, por que nunca se retrataram publicamente, uma vez que publicamente sempre apoiaram esses sanguessugas que se instalaram no Planalto Central do país? Será que não reconhecem seus atos como erros, será que acreditam mesmo que a tal esquerda ande a fazer bem à nação? Ou será que eles realmente não erraram, que sabiam muito bem quem apoiavam, que era isso, inclusive, o que pretendiam? Ou será que os seus silêncios - eles que dizem tanto ter gritado contra os militares -, estão sendo muito bem recompensados através de benesses governamentais?
Gil, Caetano e a maninha Bethânia nadam de braçadas nos incentivos da Lei Rouanet. Caetano, em 2009, tentou captar R$ 2 milhões governamentais para ajudá-lo na turnê de seu disco Zii e Ziê, a maninha Bethânia, em 2011, mais modesta, tentou captar R$ 1,3 milhões da mesma Lei Rouanet para a criação de um blog de poesias, qualquer um pode fazer um blog de graça, Bethânia precisaria de um milhão e trezentos mil reais para fazer o seu, e Gilberto Gil, além dos recursos Rouanet, "ganhou" o cargo de Ministro da Justiça do governo Lula.
Antes apadrinhados por Antônio Carlos Magalhães, a baianada continua muito bem assistida pelo governo do PT. É a eterna máfia do dendê, que se mantém desde os tempos dos festivais da Record, como muito bem disse o excelente jornalista investigativo Cláudio Tognolli.
Chico Buarque também já deu lá suas mordidinhas. Aproveitando a irmã Ana de Holanda a ocupar o cargo de Ministra da Cultura, conseguiu verba pública para bancar a tradução de seu romance Leite Derramado para o francês, em 2011. O livro de Chico é bom, pode, inclusive, ter até havido real merecimento, pode até não ter havido nada de ilegal na concessão do dinheiro, mas teria sido um ato moral, com a irmã encabeçando o Ministério da Cultura? 
A "ajuda" foi cancelada na época. Com a repercussão do caso, a Comissão de Ética Pública decidiu que Ana de Hollanda estava a cometer a amoralidade e a imoralidade de ajudar o irmão. Mas Chico não se deu por vencido, esperou a poeira baixar e voltou à carga um ano depois, conseguiu de novo a tal verba para a tradução de seu romance, dessa vez para o idioma coreano, o que o ajudará a vender sua obra para o continente asiático.
Por quais motivos os nossos heróis-cantores da resistência diriam mal do atual governo, não é? Por que fariam canções de protesto contra os nossos mensalões de cada dia?
Talentos à parte, ficou bem claro que, quando o assunto é honestidade e caráter, o considerado brega e inculto Amado Batista tem muito a ensinar aos nossos gênios da MPB, aos intelectuais da (cada vez mais) festiva esquerda brasileira.
Fonte : FolhaWeb

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7 Comentários

  1. Independentemente da pouca (ou nenhuma) lisura de Chico e companhia, esse tal Amado não mostra categoria alguma, pelo contrário. Tem suas ideias, mas não teria prazer algum em me dar com tal pessoa.
    E depois, devia recusar a mensalidade que recebe, já que defende a extinta ditadura. Era o mínimo a fazer.

    Cumprimentos

    José Roberto

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    1. Concordo com você no diz respeito a recusar a mesada, mas não me parece que ele esteja defendendo a ditadura, apenas não guarda rancor dela.
      Obrigado pelo comentário.

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  2. P.S. ...Se é verdade que Chico Buarque e demais cantores de esquerda aproveitam dinheiros do Estado não merecidos, não necessários, perdem quase todo o valor para mim, que defendo os valores de esquerda (democrática).
    ..O mundo está perdido !!!

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    1. Sim, é verdade, você pode pesquisar pela net e confirmar o que digo. Não obstante, continuo adorando a obra do Chico, como letrista, ele é genial. Genialidade é uma coisa, caráter é outra, nem sempre elas ocorrem juntas.
      Obrigado pelo comentário.

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  3. Olá!

    Concordo com parte de seus comentário, em especial os que se referem à Marília Gabriela. Eu, como formando em jornalismo, também tenho várias ressalvas ao modo dela realizar entrevistas. É prepotente e, muitas vezes, acaba sendo o destaque da própria entrevista (sendo que, o básico de qualquer entrevista, é o entrevistado aparecer, e não o entrevistador).

    Concordo também que o status de herois dado para certos cantores/compositores da MPB são exagerados, apesar de considerar - assim como você, provavelmente - um dos momentos artísticos e culturais mais importantes do Brasil. Além disso, já tinha conhecimento das garfadas no dinheiro público que Bethânia e companhia vem tirando dos cofres públicos para projetos de pouca importância - ou sem real necessidade de subsídios.

    Já o comentário do Amado batista, não achei que houve lucidez. Se ele considera que a partir do momento em que participou de organizações clandestinas, assumiu o risco de ser preso/torturado, ok. Mas chamar o Estado torturador de uma 'mãe educadora', é maltratar a memória dos que foram torturados injustamente - o que inclui crianças com menos de 2 anos de idade, só pra citar os casos mais graves.

    A parte que realmente discordo de ti é quando afirma que não houve luta contra a Ditadura. "Ao nosso último governo declaradamente autoritário, a chamada ditadura militar, a exemplo do que vou falar, não houve resistência, não houve uma verdadeira luta contra." Houve não só uma discordância ideológica, onde os principais expoentes são esses cantores da MPB, mas também luta armada e passeatas nas ruas, tendo as Diretas Já como grande exemplo. E não só de esquerdistas e gente ligada ao atual governo era formado o grupo contra-Ditadura. Mas também de FHC, de parte da imprensa (não é a toa que muitos jornalistas foram assassinados nessa época), religiosos (que também foram mortos), estudantes (que também foram mortos)... não é a toa que fosse difícil mobilizar pessoas contra o Regime, já que quem fosse contra, era assassinado. De qualquer forma, na minha opinião, antes um Lamarca do que um Fleury.

    E, por fim, não entendo realmente a implicância que se costuma ter com Cuba. Ela não é meu ideal de país, por vários motivos que você deve conhecer melhor que eu. Porém, segundo o IDH, é bem melhor viver em Cuba do que nos países da África (considerados capitalista), Brasil, e até mesmo que uma parte considerável dos europeus.

    De qualquer forma, como deve perceber, gosto muito deste blog. Principalmente quando consigo discordar de algo hehehe

    Abraços!!

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  4. Sabe, Dan Pessôa, se manda pra Cuba! Vai trabalhar como jornalista na terra dos irmãos Castro pra você entender como a coisa funciona! IDH??? Fala sério!

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